Medo do vazio

Os espaços na cidade que não são ocupados por prédios ou outras construções, e que tampouco são públicos como ruas ou praças, são os chamados “vazios”. Desde sempre os vazios fizeram parte da composição das cidades, sejam cidades planejadas ou não. Apareceram no tecido urbano como manchas de especulação durante o crescimento (São Paulo), como reservas do governo para desenvolvimento futuro (Almere, Holanda), como marcas da destruição (Berlim, Nova Iorque) e abandono (Detroit).

Aparentemente o que diferencia uma cidade de outra, não é a quantidade de vazios. A maioria das cidades modernas os possui, principalmente nas áreas industriais antigas. Mas podemos observar muita diferença na maneira que os vazios são utilizados. O vazio, sempre presente na cidade e inerente à dinâmica urbana, consegue em casos específicos exercer uma função social, coletiva, cultural e econômica sem ser ocupado por prédios. Isso ocorre nos casos onde atividades temporárias nos vazios estão sendo incentivadas.

Potsdamer Platz – 1965

Potsdamer Platz – 2002

Depois de testemunhar tantas revitalizações de áreas portuárias e pátios ferroviários centrais, o destino de todos os vazios urbanos parece óbvio: tornar-se parte do resto da cidade: habitação, escritórios, estádios etc. Quando ao arquiteto municipal de Berlim foi apresentado o desafio de reunir a parte oriental e ocidental da cidade depois da queda do muro, ele não teve dúvida: era pra preencher todos os buracos no mapa! Ou será que as coisas não são tão óbvias assim?

Na onda do urbanismo sustentável o vazio urbano se tornou ao mesmo tempo ovelha negra, por ser inimigo da concentração e densidade urbana, e herói, por abrigar pomares, hortas e outras atividades comunitárias “verdes”. Para o empreendedor de espetáculos culturais de massa, feiras etc., o vazio representa alto potencial econômico enquanto vazio e para o empreendedor imobiliário representa alto potencial quando for preenchido. Muitas vezes essas atividades são desenvolvidos no mesmo local em sequência, como no Potsdamer Platz (Berlim) e nas docas de Amsterdam.

Em São Paulo cobra-se IPTU e multas do lote vazio por contrariar a lógica da cidade – ser ocupado por edificações comerciais ou habitacionais, incentivando o preenchimento dos vazios. Apesar dos incentivos, muitos vazios permanecem, trancados, sem construções e sem atividades de curto ou longo prazo. Sobre os vazios nas cidades Brasileiras Christian Rocha escreveu: “À medida que os cidadãos só conseguem ou podem se relacionar com espaços construídos, à medida que os vazios urbanos tornam-se cada vez mais raros ou decadentes, reafirma-se a cidade como uma soma de espaços privados, segmentados e limitados por paredes, alambrados e cercas elétricas. A ausência de vazios urbanos úteis reduz a cidadania à capacidade de possuir um imóvel. Ao poder público, é a situação ideal: praças e parques exigem manutenção, gastos com iluminação e vigilância; imóveis particulares rendem IPTU. Não ocorre a ninguém, por exemplo, intensificar a aproximação entre iniciativa privada e espaços públicos — como já acontece nas feiras livres”

Chiyoda Ku – vazio central de Tóquio

Simone Loures Gonçalves Neiva e Roberto Righi explicam no artigo “A cultura e o espaço urbano no Japão” que as cidades Japonesas sempre possuem um vazio no meio da cidade. Os vazios e intervalos no Japão são de valor simbólico/religioso, não econômico/funcional. Mesmo em Tóquio com seu altíssimo preço do solo, uma área enorme não construída permanece no centro da cidade. Como no campo, a cidade Japonesa é fragmentada e dispersa, sem concentração de atividades no centro. O urbanismo modernista ocidental também trabalhava com vazios na malha urbana, por exemplo Brasília, mas por algum motivo no urbanismo atual não há mais lugar para o vazio, nem funcional nem simbolicamente. Ficou uma coisa do mal, um lugar escuro e inseguro, uma anomalia ruim, algo a ser preenchido o mais rápido possível. Ficamos com medo do vazio.

Leia mais:

A cultura e o espaço urbano no Japão. Artigo de Simone Loures Gonçalves Neiva e Roberto Righi, em arquitextos, portal Vitruvius, Agosto de 2008.
www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp482.asp

Da importância dos vazios urbanos. Blogpost por Christian Rocha em Gropius, Maio de 2003.
www.gropius.hpg.ig.com.br/oexp030521.htm

Vitória: a cidade, seus vazios, seus significados. Artigo por Fabiano Dias com réplica de Ricardo Rocha, em Minha Cidade, portal Vitruvius, Novembro de 2002.
www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc058/mc058.asp